O nome "Gran Circo" exprime bem a maneira como penso.
Aparentemente caótico, mas muito planejado, às vezes irônico mas sobretudo divertido.
Não esperem só palhaçadas.
Críticas e manifestações humanas em geral terão lugar garantido no picadeiro.

Agora vamos ver como os domadores e palhaços que moram entre as minhas orelhas irão se comportar!



26 abril 2016

A velha senhora


Um dia desses, na pracinha em frente ao Circo, notei uma velha senhora, bem alquebrada e parecendo triste, com o olhar vazio, sentada sozinha num dos bancos, sob uma rara árvore centenária que ninguém sabe quando e por quem foi plantada.

Suas roupas amarrotadas fizeram-me pensar que seria uma sem teto, e condoendo-me da pobre mulher, imaginando até que pudesse estar perdida de sua família, fui até ela para perguntar se precisava de alguma coisa.

Ela me pediu que sentasse ao seu lado e acrescentou que, se eu tivesse algum tempo, seria muito bom ter alguém para conversar um pouco, visto que há muito que tem se sentido só e abandonada.
Notei que era uma senhora muito idosa, de idade imprecisa, e fiquei curioso sobre as histórias que poderia ouvir. Sentei-me então ao seu lado.

Disse-me que durante toda a sua existência sempre moldou o caráter da humanidade e ensinou a todos que lhe ouviram, as diferenças entre o certo e o errado, entre o moral e o imoral,  o bem e o mal. 

Ela também me disse que desde há muito tempo, na Grécia sua terra natal, sempre se dedicou a melhorar a convivência entre as pessoas e que sempre foi muito respeitada. A simples menção do seu nome bastava para que a ordem fosse criada. Em sua longa vida, ela teve oportunidade de ver pessoas de todas as classes socioeconômicas, de todas as etnias, e de todos os credos, e mesmo com diferentes ideologias vivendo em harmonia. E que especialmente as pessoas públicas e os políticos, tinham por ela um respeito quase religioso.

Já chorando, ela acrescentou que o seu maior desgosto é ainda estar vivendo nesses dias em que poucos a respeitam. De fato, muitos a desprezam embora falem em seu nome, e até as instituições que deveriam protegê-la, hoje não lhe tem o menor apreço.

Depois de um longo silêncio, ela despediu-se e saiu, andando curvada e trôpega. Antes que se afastasse muito eu lhe perguntei se ela poderia me dizer seu nome. 
Então ela se virou e me disse:

-Meu nome é Ética. E continuou a se afastar.


Ainda me dando conta da profundidade de suas palavras fui acompanhando seus passos e vi horrorizado, a velha sendo atropelada por um carro preto ao atravessar a rua.
Ela sobreviveu, mas o motorista fugiu sem que ninguém pudesse anotar a placa. 

Valter Mello

crédito da foto: freeimages.com/createsima

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